Na manhã de um sábado deste mês de junho, caminhando pelas ruas de Manaus, fiquei estarrecido ao entrar numa livraria situada no Amazonas Shopping. A livraria estava praticamente vazia, como das outras vezes em que a visitei.
A cena me fez lembrar daqueles números que assombram qualquer um que ainda acredite no poder transformador das palavras: 84% dos brasileiros não compraram um único livro no ano passado. Oitenta e quatro por cento. É como se houvéssemos decidido, coletivamente, fechar os olhos para janelas que se abrem para mundos infinitos.
Mas então me chegou a notícia da Feira do Livro de São Paulo, e algo se acendeu em meu peito. Juca Kfouri, com sua prosa certeira, descreveu o que viu na Praça Charles Miller: gente de cabelos brancos e sem cabelos brancos, crianças correndo entre as tendas, editoras celebrando a ressurreição do livro físico, aquele que tem cheiro – e que cheiro bom!
Ali, naquele pedaço de São Paulo, o Brasil mostrava sua outra face, a que ainda respira literatura, ainda acredita que o livro é “incomparavelmente melhor que o celular, que o TikTok, que o Instagram”.
E eu fico aqui pensando: se São Paulo consegue, por que o Amazonas não pode? Por que nossa terra, banhada pelos rios que Antísthenes Pinto, Thiago de Mello e Jorge Tufic decantavam em prosa e versos, não haveria de ter sua própria festa da leitura?
Somos filhos da mesma nação que deu ao mundo Graciliano Ramos e seus personagens eternos, que nos apresentou Carlos Drummond de Andrade e sua poesia que fala direto ao coração brasileiro. Como podemos aceitar que essa herança se perca nas águas do descaso?
É verdade que os obstáculos são reais: livros caros, livrarias distantes, o tempo que parece sempre escorrer pelos dedos. Mas a Feira de São Paulo prova que existe um caminho.
Quando as pessoas se encontram com os livros, quando sentem novamente aquele cheiro único do papel impresso, quando descobrem que ainda existe prazer genuíno longe das telas, algo mágico acontece. O leitorado cresce, as vendas aumentam, e principalmente renasce a esperança.
Imagino uma feira assim em Manaus, talvez na Ponta Negra, ou quem sabe no Centro Histórico, onde as palavras ecoariam entre as construções que guardam nossa história. Imagino as crianças ribeirinhas descobrindo que existem aventuras além das que vivem navegando nossos rios.
Imagino jovens universitários encontrando nos livros as respostas que o Google não consegue dar. Imagino aposentados redescobrindo o prazer de uma tarde vivida entre páginas amareladas.
O Amazonas precisa de sua feira do livro não por capricho, mas por necessidade vital. Porque num mundo onde a superficialidade e a desinformação se espalham como praga, a leitura é remédio.
Porque quando apenas 16% da população compra livros, não estamos falando só de números de mercado, estamos falando do futuro de uma nação.
São Paulo mostrou o caminho. Agora cabe ao Amazonas seguir o exemplo, adaptar a receita ao nosso tempero local, criar nossa própria festa da palavra escrita.
Se há algo que aprendi observando a vida passar é que os sonhos só se realizam quando alguém tem coragem de tirar o primeiro livro da estante e abrir na primeira página.
E quem sabe, num dia não muito distante, eu possa caminhar pelas ruas de Manaus e encontrar não livrarias vazias, mas multidões curiosas descobrindo que, sim, o livro físico ainda vive – e vive muito bem.
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