Manaus (AM) – Educação fiscal nas escolas vai além de ensinar sobre impostos: promove cidadania, consciência social e responsabilidade com o dinheiro público. Em Manaus, cerca de 10 mil alunos da rede estadual participam do Programa Nacional de Educação Fiscal, implementado pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc-AM) em parceria com a Secretaria da Fazenda do Amazonas (Sefaz-AM) em 30 escolas da rede estadual de Manaus.
Na capital, onde a rede municipal conta com mais de 500 escolas e atende mais de 240 mil estudantes, a iniciativa marca o início de uma mudança cultural que começa dentro da sala de aula — e se reflete na forma como as novas gerações compreendem e valorizam os recursos públicos.
De acordo com a professora Vera Lucia Lourido Barreto, coordenadora dos Programas e Projetos Federais da Seduc, o programa promove uma mudança de cultura, estimulando o senso de pertencimento e o compromisso com o bem público.
“A educação fiscal ajuda a desconstruir a ideia de que o que é público é gratuito. É sobre mostrar que a merenda, a estrutura da escola, o salário dos professores – tudo isso vem de recursos pagos pela população por meio dos tributos”, explica a professora.
Nos últimos anos, o Amazonas vem se destacando nacionalmente pelo envolvimento ativo dos estudantes em ações de educação fiscal. Em 2024, 22 escolas estaduais desenvolvem projetos que integram o tema à rotina escolar, com forte participação dos alunos — muitos deles atuando como multiplicadores de conhecimento entre colegas e familiares.
Um exemplo é o projeto da Escola Estadual Ruy Araújo, finalista do Prêmio Nacional de Educação Fiscal, que mobilizou 104 estudantes do ensino médio em debates, produções criativas e ações práticas sobre o uso correto do dinheiro público.
Esse interesse crescente reflete uma mudança de mentalidade: os jovens passam a compreender que recursos como merenda, transporte e material escolar vêm dos tributos pagos pela população. Mais do que aprender sobre impostos, eles desenvolvem consciência cidadã e senso de responsabilidade coletiva, levando esse conhecimento para além dos muros da escola.
“Eu não sabia que tudo o que a gente paga é cobrado imposto. Agora aprendi que, toda vez que pagar algum produto é só procurar no comprovante o tanto de imposto que aquele produto levou. Lá em casa, inclusive, eu já mostrei para os meus pais onde se pode ver esses impostos na notinha das compras e como ele pode ser investido aqui na escola. Eu já aprendi para que serve esses tributos que a gente paga e como deve retornar pra gente. Por exemplo, eu não sabia que o SUS era gratuito porque o governo pagava as despesas com tributos. Ainda bem que temos isso, né? Já pensou se não tivesse esse serviço pra gente? Como iríamos nos consultar de graça?”, relatou Giovanna Laís, de 14 anos, aluna de uma das escolas da rede pública.
Como funciona o programa nas escolas
As escolas desenvolvem o programa com projetos interdisciplinares, com foco em cidadania fiscal. As ações envolvem alunos do ensino fundamental I e II e do ensino médio. A metodologia aplicada estimula o pensamento crítico e o engajamento dos estudantes com atividades práticas e reflexivas.
As escolas trabalham com palestras, rodas de conversa, oficinas de teatro, seminários e webinários, além da realização de feiras temáticas e visitas técnicas à Receita Federal, à Alfândega e à Secretaria de Fazenda (Sefaz). Todas essas ações têm o objetivo de aproximar os estudantes da realidade financeira do país, promovendo o entendimento sobre como os tributos sustentam os serviços públicos e incentivando a responsabilidade coletiva.
Segundo a coordenação do programa, esse processo educativo busca formar uma consciência crítica e participativa, ampliando a compreensão dos alunos sobre a função socioeconômica dos tributos, o controle social e o cuidado com o patrimônio público.
Mudanças de comportamento já são percebidas
Conforme relato do professor Elton Gonzaga, assessor de projetos da Coordenadoria Distrital de Educação 4 (CDE 4), a educação fiscal vem gerando impactos reais no comportamento dos estudantes, especialmente na redução de desperdícios e na valorização do patrimônio escolar.
“O índice de cadeiras quebradas diminuiu. Antes, objetos como maçanetas eram danificados pelos alunos. Quando começamos a explicar que tudo aquilo era comprado com recursos públicos oriundos do trabalho dos pais, os estudantes passaram a cuidar melhor do espaço escolar”, relata Gonzaga.
A mudança de mentalidade também aparece em situações cotidianas, como no consumo da merenda.
“Os alunos passam a entender que ao desperdiçar a merenda ou danificar uma cadeira, estão prejudicando a si mesmos. Eles aprendem que o dinheiro usado ali vem dos impostos e poderia ser investido em melhorias”, completa o professor.
Educação vai da escola para a família
As discussões sobre responsabilidade fiscal ultrapassam os muros da escola e chegam às famílias. Professores relatam que os estudantes levam o conhecimento para casa e influenciam a visão dos pais sobre o uso do dinheiro público.
“É muito gratificante ver os estudantes levando essas reflexões para casa. Eles entendem que têm direitos, mas também deveres, como manter-se na escola e zelar por ela”, afirma Gonzaga.
Formação docente
A capacitação dos professores é promovida por meio de seminários, palestras, webinários nacionais e cursos da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Apesar dos avanços, a formação contínua ainda é um desafio.
Mesmo assim, o engajamento tem gerado bons resultados. A professora Sienne Cunha de Oliveira, da Escola Estadual Ruy Araújo, relata um ambiente escolar transformado:
“Conseguimos criar um ambiente de aprendizado dinâmico e interdisciplinar, onde o diálogo e a troca de experiências são fundamentais para construir uma consciência crítica sobre educação fiscal e cidadania para a escola e comunidade”, afirma.
Educação fiscal x educação financeira
Vera Lucia destaca que, embora os temas estejam interligados, educação fiscal não é o mesmo que educação financeira. “A educação financeira trata da administração do dinheiro individual. Já a educação fiscal diz respeito à coletividade, ao papel de cada cidadão na preservação dos serviços públicos financiados por tributos”, explica.
Em 2024, o Amazonas arrecadou mais de R$ 33,29 bilhões em receitas públicas, impulsionadas principalmente por tributos como ICMS, IPVA e ITCD. Apesar do volume expressivo, o Estado ainda enfrenta desafios com evasão fiscal.
Só no primeiro semestre, a Sefaz identificou perdas superiores a R$ 70 milhões em fraudes tributárias, como a maquiagem fiscal em declarações de ingresso de mercadorias. Para conter esses danos, a autarquia descredenciou 626 contribuintes e vem adotando medidas mais rigorosas de fiscalização.
Esses números só reforçam a importância de formar cidadãos conscientes sobre o papel dos tributos e do controle social. A educação fiscal nas escolas atua exatamente nesse ponto, ajudando a construir uma cultura de responsabilidade coletiva desde cedo. Ao compreender que a merenda, os livros didáticos e até o salário dos professores são financiados pelos impostos pagos pela população, os estudantes passam a valorizar mais os recursos públicos.
Em 2023, por exemplo, 41,95% da receita líquida do Estado foi destinada a áreas como saúde e educação, o que evidencia como a boa aplicação dos tributos impacta diretamente a qualidade de vida da população.
Expectativas de ampliação
Desde 2019, o programa está em expansão e deve alcançar ainda mais escolas nos próximos anos. A expectativa é de que a consciência fiscal se consolide como valor social, gerando impactos duradouros na administração pública e no cotidiano das comunidades escolares.
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