domingo, julho 27, 2025
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Abandono de bebês cresce em Manaus e acende alerta sobre saúde mental materna

Os recentes casos de negligência contra bebês registrados em Manaus no início de julho reacenderam o debate sobre os cuidados com a saúde mental materna. Segundo especialistas, as causas são diversas, mas o aumento dessas ocorrências preocupa autoridades e reforça que situações como essas não podem ser tratadas como algo normal.

Abandono de incapaz

Foto: Reprodução

O primeiro caso, registrado no dia 1º de julho, envolve uma mãe de 19 anos que saiu de casa com o filho de dois meses, no bairro Puraquequara. Ela ingeriu bebida alcoólica e, ao retornar de madrugada, acabou adormecendo. Horas depois, percebeu que o bebê não estava respirando.

“A mãe teria saído na noite anterior para ingerir bebida alcoólica levando a criança consigo, retornou para casa por volta das 4h da manhã e dormiu até as 15h. Quando acordou, foi tirar uma foto da criança para enviar à mãe e percebeu que ele estava sem sinais vitais”, afirmou o delegado Fernando Damasceno.

Segundo o Instituto Médico Legal (IML), a causa da morte foi parada cardiorrespiratória e asfixia mecânica. A jovem foi presa em flagrante por abandono de incapaz com resultado em morte.

Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, de janeiro a agosto de 2024, foram registradas 341 ocorrências de abandono de incapaz, um aumento de 31,1% em relação ao ano anterior.

Jogado pela janela

Foto: Divulgação

Seis dias depois, no dia 7, uma jovem de 18 anos foi presa, suspeita de jogar o próprio filho recém-nascido pela janela de seu banheiro, no bairro Mauazinho, Zona Leste de Manaus.

O bebê, encontrado entre entulhos no quintal, ainda com o cordão umbilical, foi socorrido com vida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ele segue internado na maternidade Ana Braga, em estado estável e sem risco de morte.

A polícia prendeu a jovem em flagrante e a levou à Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca). Lá, ela foi autuada por tentativa de infanticídio. Há indícios de que apresentava sinais de distúrbios psicóticos e, por isso, foi encaminhada para avaliação psiquiátrica e tratamento médico. Um dia depois, ela recebeu liberdade provisória.

Morto em lixeira viciada

Foto: Reprodução

O próximo caso ocorreu no dia 11, quando uma catadora encontrou um recém-nascido morto em uma lixeira viciada na comunidade Santa Inês, na Zona Leste de Manaus. Segundo a Polícia Militar, o bebê tinha aproximadamente oito meses de gestação.

Ainda de acordo com a equipe do Departamento de Polícia Técnico-Científica (DPTC), a criança, que ainda estava com o cordão umbilical, foi colocada viva na sacola e acabou morrendo asfixiada.

“Infelizmente me deparei com uma cena lamentável, que choca todos nós. Mesmo sendo policial militar acostumado a ver crimes e atrocidades, chegar e encontrar uma criança morta é de chocar”, enfatizou o supervisor de área da 30ª Cicom, sargento Endinson Pedrosa.

O bebê de R$ 500

Divulgação

Ainda no dia 11,  o casal homossexual de São Paulo, Wesley Fabiano Lourenço e Luiz Armando dos Santos, foram presos suspeito de tentar comprar um recém-nascido por R$ 500 em Manacapuru.

De acordo com a polícia, o pagamento de R$ 500 foi feito a José Alberlan Pinheiro de Magalhães, conhecido como Sabão, dono de uma lanchonete na cidade. Ele é suspeito de intermediar a negociação, agenciar e entregar o recém-nascido ao casal.

A mãe do bebê teria tentado vender o recém-nascido para quitar uma dívida com agiotas, o que motivou a tentativa de negociação ilegal.

Caso da quitinete

Foto: Freepik

O último caso envolvendo negligência com crianças em Manaus ganhou repercussão no último dia 14, quando uma bebê de 43 dias foi encontrada morta no bairro São Geraldo.

Segundo a Polícia Militar, a mãe relatou que tentou acordar a filha, mas percebeu que a criança não reagia e apresentava coloração roxa. A bebê foi encontrada em um local que não permitia a presença de crianças. Ainda de acordo com o relato, a mãe estava no imóvel, que havia sido alugado por um conhecido.

A equipe de perícia foi acionada e, em uma análise preliminar, não encontrou sinais de violência externa no corpo da criança. A suspeita inicial é de que a causa da morte tenha sido asfixia causada pelo leite materno.

Foto: Reprodução

Apesar das circunstâncias diferentes, todos os casos têm um ponto em comum: a preocupação com a saúde mental materna após o nascimento do bebê. Segundo a médica da Família da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), Dra. Fabíola Santos, para compreender esse cenário é fundamental considerar todo o contexto da gestação.

“É preciso contemplar alguns aspectos como a forma como essa gestante recebeu a notícia da gestação? Como ela encarou o fato de estar gerando uma vida e, em breve, cuidar de uma criança? Como isso foi recebido pela família, como foi aceito no relacionamento dela? Essa gestante está num relacionamento equilibrado ou é relacionamento que tem conturbações? […] Ao entender como ficou a aceitação e o caminhar dessa gestação, vamos compreender quais as possíveis influências que ocorrerão no período de puerpério”, destacou a profissional.

Nesse momento delicado, tanto para a mãe quanto para o bebê, muitas vezes a genitora fica em segundo plano, sem o apoio necessário enquanto tenta se adaptar à nova rotina.

“Essa é uma fase de muitas mudanças, de muito cansaço físico, muito cansaço mental. É preciso ressaltar que muitas mulheres que não estão na primeira gestação, precisam, além dos cuidados com a criança que acabou de nascer, seguir com os compromissos com outras crianças que estão na casa, que são da convivência familiar. […] É uma fase de intensas mudanças na vida de uma mulher, que tem pouco tempo de adaptação para tantas mudanças intensas”, alerta a médica da família.

Depressão pós-parto

Foto: Reprodução

Esse comportamento pode ser um indício de depressão pós-parto, um transtorno emocional que pode surgir depois que a mulher tem o bebê. Ela acontece principalmente por causa da queda hormonal após o parto, mas fatores como falta de apoio da família, histórico de ansiedade ou depressão, cansaço extremo e mudanças na rotina contribuem muito.

Segundo um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a depressão pós-parto acomete mais de 25% das mães no Brasil.

“É como se a mãe se sentisse ‘presa’ em um estado de esgotamento físico e emocional, muitas vezes sem entender o que está acontecendo. Esses transtornos acabam afetando porque fazem a mãe se sentir incapaz e, muitas vezes, distante do próprio bebê. Ela pode evitar o contato, não por falta de amor, mas porque está sem energia, tomada pelo medo ou tristeza”, explica a psicóloga clínica, Valéria dos Santos.

Gravidez e juventude

Foto: Reprodução

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a maioria dos bebês nascidos no Amazonas em 2022 foi de mães na faixa dos 20 aos 24 anos, cerca de 19.095 nascimentos.

Com a maternidade chegando cada vez mais cedo, como nos casos citados, preocupa o fato de que muitas jovens não têm estrutura emocional para lidar com a chegada de um bebê.

“Precisamos considerar que muitas jovens ainda não estão preparadas emocionalmente para a maternidade. E aí entram várias falhas: famílias desestruturadas, redes de apoio muito frágeis e a falha das políticas públicas. Sem apoio, essas mães enfrentam tudo sozinhas — o medo, o cansaço, a responsabilidade. […] Onde a ausência de preparo emocional e suporte institucional coloca mães jovens e vulneráveis em situação extrema — muitas vezes com consequências fatais”, ressalta Valéria.

Acompanhamento

Foto: Divulgação

Em Manaus, a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) realiza o acompanhamento das puérperas por meio das equipes de Saúde da Família, com o objetivo de preservar a saúde mental nesse período delicado.

“Enquanto equipe de saúde, a gente realiza visitas domiciliares, feitas ou pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACSs), ou pelos enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos que estão envolvidos na Estratégia Saúde da Família, para contribuir no apoio à saúde mental e trabalhar a rede de apoio a essa mulher”, explica a médica Fabíola.

Segundo a especialista, a equipe se dirige aos domicílios para entender como está a dinâmica da família, o convívio no núcleo familiar para, a partir dessas informações, ofertar orientações para essa rede de apoio. É observado se a puérpera tem alguém com quem possa contar, se há apoio em casa para as tarefas domiciliares e com os outros filhos. No caso de uma mãe de primeira viagem, é avaliado se há apoio nas tarefas com esse filho que nasceu há pouco tempo e com o qual ela ainda está aprendendo a lidar com a nova rotina que a chegada do bebê está configurando.

“A partir das primeiras consultas de acompanhamento da criança, que ocorrem na primeira semana, nos primeiros 15 dias e de um mês de vida, conseguimos avaliar e, conforme a situação, verificar como fortalecer essa rede de apoio à puérpera”, finalizou a médica da família da pasta.

Leia mais: Suspeito de intermediar venda de bebê por R$ 500 se entrega à polícia no AM

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