terça-feira, julho 15, 2025
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O mistério do Rio Urubu, Roldão Pires e os fenícios no Amazonas

Foi no balcão já gasto do Bar do Caldeira, nossa sempre viva Universidade Livre do Caldeira, no Centro Histórico de Manaus, que conheci José Marqueiz, um dos grandes repórteres que o jornalismo brasileiro pariu — Prêmio Esso de 1973, conquistado nas aventuras pelos sertões do Mato Grosso, ao lado dos irmãos Villas-Bôas e dos misteriosos kranhacarores (índios gigantes).

Conversávamos ali, entre um chope e outro, como se o mundo ainda coubesse nas páginas amareladas dos jornais, e entre tantas conversas sobre política, poesia, futebol e outras utopias, sempre surgia um tema que parecia deixar Marqueiz com o olhar faiscando: a Amazônia secreta. E de todas as histórias que ele guardava, havia uma que contava com certo deleite, como se estivesse revelando uma senha proibida: a expedição do arqueólogo Roldão Pires Brandão ao Rio Urubu, no coração mais remoto do Amazonas.

Na edição de abril de 1976 da revista Planeta, Marqueiz publicou um daqueles textos que parecem estar suspensos entre o real e o fantástico. E talvez ainda estejam. Ali, ele narra a busca obstinada de Roldão Brandão por uma civilização perdida às margens do Urubu — um rio de águas escuras, piscoso e cercado de lendas, que serpenteia por 500 quilômetros até se derramar no Amazonas, a leste de Manaus.

Roldão não era homem de fé pequena. Era presidente da Associação Brasileira de Arqueologia e Pesquisa, veterano de cemitérios indígenas, florestas petrificadas e outros espantos. Descobrira, anos antes, sete cemitérios indígenas no sul do país e uma floresta fossilizada, mas nada o fascinava tanto quanto o Rio Urubu.

No Urubu, isolado na floresta, com apoio da Marinha e da prefeitura de Itacoatiara, ele cravava sua bandeira: acreditava, com convicção inabalável, que havia ali vestígios de uma antiga civilização navegante — e que esses vestígios tinham clara origem fenícia.

“Segredo do rei”

A tese de Roldão se apoiava em um rastro arqueológico intrigante. Primeiro, havia as pedras gravadas com caracteres que ele identificava como fenícios — figuras, símbolos e letras que pareciam ter sido esculpidas com precisão milenar. Roldão dizia que nenhuma erosão, correnteza ou fenômeno natural poderia ter feito aquilo.

Segundo o arqueólogo, os sinais revelavam rotas, direções e, sobretudo, guardavam o que ele chamava de “o segredo do rei”: um sarcófago de pedra, onde estaria enterrado um monarca de tempos imemoriais, protegido por sentinelas de pedra, máscaras petrificadas de expressões duras e enigmáticas, fixadas nas margens e voltadas para um ponto central.

Ele mapeou cada pedra, cada símbolo, traçando uma linha reta com 34 metros de extensão, até encontrar o que chamou de “pedra-chave” — um bloco com traços simétricos apontando para o interior da mata. E ali, dizia ele, começava a trilha para algo grandioso.

Mais adiante, outra descoberta reforçou suas convicções: uma muralha de pedras polidas, que parecia sustentar o barranco do rio, formando uma espécie de cais ou ancoradouro. Para Roldão, aquilo era mais uma prova de que grandes embarcações haviam singrado aquelas águas no passado remoto.

Os ribeirinhos, por sua vez, sempre reforçaram o mito, falando de um navio naufragado nas águas profundas do Urubu, do qual diziam ter visto pedaços brilhando sob a lua. A lenda ganhou corpo quando um navio da Marinha, usando equipamentos modernos, detectou “material estranho” exatamente no ponto onde Roldão indicava a existência da nau afundada.

Ele evocava ainda o velho coronel Bernardo de Azevedo Silva Ramos, fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Amazonas, que já em 1920 falava das inscrições “fenícias” no Rio Urubu. Cruzava essas pistas com o trabalho do francês Ernest Renan e com as descobertas do pesquisador Ludwig Schwennhagen no Uatumã, onde inscrições e cerâmicas fenícias teriam sido datadas de 1.100 a.C.

Há mais de três mil anos

Para ele, não havia dúvida: os fenícios, grandes navegadores do Mediterrâneo, haviam chegado à Amazônia há mais de três mil anos. Teriam naufragado, construído uma cidade hoje submersa e gravado sua história nas pedras da floresta.

No entanto, Roldão não era um sonhador qualquer. Ele sabia rir de si mesmo: “A arqueologia no Brasil era uma carroça à espera de um burro para puxá-la. Apareceu esse burro: eu”, dizia.

Mas, no fundo, sua busca era séria. Havia, sim, ciência em seu olhar teimoso, mas também havia algo que nem a ciência explica, algo mais forte e mais profundo.

E eu, nos dias de hoje, ainda escuto, como se fosse agora, Marqueiz me dizendo, com o olhar nostálgico de quem também buscava outros mundos: “O Rio Urubu, meu amigo, não é só um rio. É um portal. E Roldão, com toda a sua teimosia, foi o único que ousou girar a chave”.

Dali em diante, o Rio Urubu nunca mais me pareceu realmente um simples rio.

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